19 de janeiro de 2010

Fragmentos de um discurso amoroso...



“(...) Sabemos que a força propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos da Lei de Deus: o Amor, expressado na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas."Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos" significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade. Cremos que esta transformação social exige um investimento máximo de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Este desenvolvimento começa quanto a criança se encontra ainda no ventre sagrado da sua mãe. As crianças, quando estão bem cuidadas, são sementes de paz e esperança. Não existe ser humano mais perfeito, mais justo, mais solidário e sem preconceitos que as crianças.Como os pássaros, que cuidam de seus filhos ao fazer um ninho no alto das árvores e nas montanhas, longe de predadores, ameaças e perigos, e mais perto de Deus, devemos cuidar de nossos filhos como um bem sagrado, promover o respeito a seus direitos e protegê-los.”

Trechos do último discurso Zilda Arns

Um Mundo Melhor é Possível - Homenagem à Zilda Arns







Zilda Arns foi a embaixadora de tudo que sempre procuramos postar aqui. Um exemplo de pessoa que zela pelo bem-estar do próximo e garante um futuro digno e promissor a incontáveis pessoas ao redor do mundo. Nossa singela homenagem a essa mulher:
Já se fizeram todos os elogios devidos à médica brasileira, Zilda Arns, irmã do Cardeal dos direitos humanos, Paulo Evaristo Arns, que sucumbiu sob as ruinas do terremoto no Haiti.
Talvez a opinião pública mundial não se tenha dado conta da importância desta mulher que em 2006 foi apontada como candidata ao prêmio Nobel da Paz. E bem que o merecia, pois dedicou toda sua vida à saúde das pessoas mais vulneráveis.
Por 25 anos coordenou a Pastoral da Criança acompanhando mais um milhão e 800 mil menores de cinco anos e mais de um milhão e 400 famílias pobres. A partir de 2004 iniciou a Pastoral da Pessoa Idosa com mais de cem mil idosos envolvidos.

Com meios simples como o soro caseiro, o alimento à base da multimistura e outros recursos mínimos, salvou milhares de crianças que antes fatalmente morriam
Seria longo historiar seu extraordinário trabalho difundido já em mais de 20 paises pobres do mundo. O que pretendo é enfatizar os valores do capital espiritual que sustentaram a sua prática. Nisso ela ia contra o sistema dominante e serve de inspiração para hoje.
É convicção crescente que não sairemos da crise de civilização atual se continuarmos com os mesmos hábitos e os mesmos valores consumistas e individualistas que temos. Ela mostrou como pode ser diferente e melhor.
A Dr. Zilda honrou o cristianismo, vivendo uma mística de amor à humanidade sofredora, de esperança de que sempre se pode fazer alguma coisa para salvar vidas, de fé na força dos fracos que se organizam e na escuta de todos até das crianças que ainda não falam.
Ela tinha clara consciência de que a solução vem de baixo, da sociedade que se mobiliza, sem com isso dispensar o que o Estado deve fazer. Problemas sociais se resolvem a partir da sociedade. Para isso, ela suscitou a sensibilidade humanitária que se esconde em cada pessoa e inaugurou a política da boa vontade. Mais de 250 mil voluntários, sem nenhum ônus financeiro, se propuseram assumir os trabalhos junto com ela.
Uma idéia-geradora movia sua ação, copiada da prática de Jesus: multiplicar. Não apenas pães e peixes como Ele fez mas, nas condições de hoje, multiplicar o saber, a solidariedade e os esforços.
Multiplicar o saber implica repassar às pessoas simples os rudimentos de higiene, o cuidado pela água, a medição do peso e a alimentação adequada às crianças. Esse saber reforça a auto-estima das pessoas e confere autonomia à sociedade civil.
Multiplicar a solidariedade que, para ser universal, deve partir dos últimos, buscando atingir as pessoas que vivem nos rincões onde ninguém vai, tentar salvar a criança mais desnutrida e quase agonizante. Essa solidariedade é a que menos existe no mundo atual.
Multiplicar esforços, envolvendo as políticas públicas, as ONGs, os grupos de base, as empresas em sua responsabilidade social, enfim, todos os que colocam a vida e o amor acima do lucro e da vantagem. Mas antes de tudo multiplicar a boa-vontade generosa.
Ora, são estes conteúdos do capital espiritual que devem estar na base da nova sociedade mundial que importa gestar. O século XXI será o século do cuidado pela vida e pela Terra ou será o século de nossa auto-destruição. Até agora globalizamos a economia e as comunicações. Temos que globalizar a consciência planetária e multiplicar o saber útil à vida, a solidariedade universal, os esforços que visam construir aquilo que ainda não foi ensaiado. Amor e solidariedade não entram nas estatísticas nem nos cálculos econômicos Mas são eles que mais buscamos e que nos podem salvar.
A médica Zilda Arns seguramente sem o saber, mas profeticamente, nos mostrou em miniatura que esse mundo não é só possível, mas é realizável já agora.


Texto: Leonardo Boff